Quem manda no transporte por aplicativo?
- Bernardo Ariston

- 12 de out.
- 4 min de leitura
A tentativa de restringir o trabalho de motoristas de fora em Cabo Frio reacende o debate nacional sobre até onde o poder público pode ir sem ferir a Constituição e o direito de trabalhar.

Por Bernardo Ariston
Cabo Frio vive um novo embate em torno de um tema que desafia prefeitos em todo o país: como regular o transporte por aplicativos sem ferir a Constituição, o livre mercado e o direito de trabalhar? O prefeito Dr. Serginho anunciou recentemente a intenção de restringir o serviço de Uber, 99 e outras plataformas a motoristas residentes no município. A proposta, ainda em debate, reacendeu uma discussão que vai muito além da política local, trata-se de um teste sobre até onde o poder público pode intervir na economia e no direito à livre iniciativa.
A preocupação do governo municipal é legítima. O transporte por aplicativo cresce de forma acelerada e muitas vezes sem controle, gerando distorções na concorrência, na arrecadação e na organização do trânsito urbano. Durante a alta temporada, o número de motoristas, muitos vindos de fora, aumenta significativamente, sobrecarregando o sistema viário e dificultando a fiscalização. O problema existe e precisa ser enfrentado.
A Constituição Federal é clara, o trabalho e a livre iniciativa são fundamentos da República (art. 1º, IV). O artigo 5º garante o direito de qualquer cidadão exercer sua profissão e o artigo 170 estabelece que a ordem econômica brasileira se baseia na valorização do trabalho humano e na livre concorrência. Esses princípios impedem que um município crie barreiras artificiais que restrinjam o direito de trabalhar. Limitar a atividade apenas a motoristas residentes em Cabo Frio fere a isonomia, a liberdade profissional e o princípio da livre concorrência. Por isso, tal medida é inconstitucional.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema. Em 2019, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.054.110/SP, o STF fixou tese de repercussão geral (Tema 967): “É inconstitucional lei municipal que proíba ou restrinja, de forma desproporcional, o transporte individual remunerado por meio de aplicativos.” A decisão é vinculante para todo o país. Isso significa que os municípios podem fiscalizar, mas não proibir ou limitar o serviço de maneira discriminatória. Qualquer tentativa de restringir a atuação de motoristas de fora, portanto, é passível de anulação judicial.
Contudo, isso não significa que o município esteja de mãos atadas. A Lei Federal nº 13.640/2018, que regulamentou o transporte por aplicativos no Brasil, deu às prefeituras poder para organizar e fiscalizar a atividade, desde que o façam por meio de lei municipal, aprovada pela Câmara, e não por decreto do Executivo. Essa lei pode exigir cadastro, vistoria, pagamento de taxas, seguro, comprovação de antecedentes e integração de dados com as plataformas privadas. Tudo isso é legal e necessário, o que não se pode é criar reservas de mercado nem barreiras de domicílio.
Dentro desse cenário, Cabo Frio pode inovar com um modelo moderno, transparente e constitucional. Uma das alternativas viáveis seria a criação de um aplicativo público municipal, operado sob gestão da Prefeitura, que centralizasse todas as informações de motoristas, veículos e viagens realizadas no território. Esse sistema, além de permitir o controle do fluxo de transporte e a fiscalização digital, poderia funcionar em parceria com aplicativos privados, como Uber e 99, integrando as plataformas em um único banco de dados.
Na prática, o motorista que desejasse operar em Cabo Frio se cadastraria no aplicativo municipal, fornecendo documentos e aceitando as regras locais. Receberia um QR Code oficial de credenciamento, que garantiria sua regularidade e segurança ao passageiro. A Prefeitura, por sua vez, teria acesso em tempo real a informações sobre número de corridas, rotas, tempo de permanência e procedência dos motoristas, fortalecendo o planejamento urbano e a arrecadação de tributos.
Essa parceria público-privada seria vantajosa para todos pois, o poder público teria controle e transparência, as plataformas privadas continuariam operando com liberdade e os cidadãos ganhariam um sistema mais organizado, seguro e eficiente. Além disso, o aplicativo público poderia oferecer vantagens específicas para motoristas locais, como redução de taxas, prioridade em eventos e capacitação profissional.
Com base nesses dados, o município poderia criar Zonas Especiais de Embarque e Desembarque (ZEEDs) em pontos de grande movimento, como a Praia do Forte, o Canal do Itajuru e o Peró, reduzindo congestionamentos e conflitos. O modelo ideal é o que equilibra fiscalização e liberdade, sem retrocessos nem privilégios.
O desafio é compreender que regular não é proibir. O poder público deve exercer seu papel com inteligência, planejamento e tecnologia. É possível fiscalizar de forma digital, garantir segurança ao passageiro e arrecadação ao município, sem limitar o direito de trabalhar. A gestão moderna substitui a punição pela eficiência.
Cabo Frio, como polo turístico e econômico da Região dos Lagos, tem condições de liderar esse novo paradigma. O futuro das cidades passa pela mobilidade inteligente, onde aplicativos públicos e privados convivem de forma integrada. Um modelo que respeite a Constituição, promova a inovação e valorize o profissional local será exemplo de governança moderna e desenvolvimento urbano sustentável.
O caminho, portanto, é claro, organizar, integrar e fiscalizar com inteligência.
Regular é garantir ordem e segurança. Proibir é retroceder. Cabo Frio tem a chance de transformar a tensão entre aplicativos, taxistas e poder público em uma política pública eficiente, inovadora e constitucional, um marco de modernidade e respeito ao direito de todos.








Achei perfeito seu texto. Tanto é, que o Prefeito De. Serginho teve que retroceder o que ele autiriatariamente e agindo sem pensar corretamente ou por muitas vezes ouvindo pessoas incompetentes que estão parasitando dentro da Prefeitura e de forma totalmente arbitraria achou que poderia mudar algo sem infringir a constituição Federal. Da mesma forma em que veio com as medidas de pagar aos taxicistas e Guias de Turismo uma propina (em português) para que os veículos de turismo voltem a usar o TOT - Terminal de Ônibus de Turismo. Falta gestão pública inteligente. Conversar com as pessoas que a muito tempo está no trabalho que vive todo dia pro turismo. E não trazer ideias mirabolantes e passar vergonha para todo…
Toda prestação de serviços precisa ser normatizada pelos órgãos federais, estaduais e municipais cada um seguindo suas Leis.