Parada LGBTIA+ vira disputa política em Cabo Frio
- Bernardo Ariston

- 1 de out.
- 2 min de leitura

Por Bernardo Ariston.
Cabo Frio vive um outubro marcado pela celebração e pela polêmica. A Prefeitura anunciou que realizará no dia 4 de outubro, na Praia do Forte, a Parada do Orgulho LGBTIA+ com show da cantora Ana Carolina. O evento, que contará com apoio institucional e patrocínio da FUNARJ, foi apresentado como demonstração de compromisso do governo municipal com a diversidade. Mas, ao mesmo tempo, a mesma administração negou autorização para a Parada organizada há 20 anos pelo Grupo Iguais, que tradicionalmente conduz o ato político e cultural da comunidade local. A decisão abriu um embate que expõe mais do que uma disputa de agendas: revela o choque entre autonomia da sociedade civil e a tentativa do poder público de controlar a narrativa.
O Grupo Iguais, referência no movimento LGBTIA+ da região, afirmou em nota que não solicita recursos nem estrutura da Prefeitura. O objetivo sempre foi garantir a livre manifestação em espaço público, direito assegurado pela Constituição Federal no artigo 5º. Ao indeferir o evento, alegando coincidência com festividades religiosas e infantis, a Prefeitura coloca em dúvida a equidade de critérios, já que outros atos semelhantes nunca enfrentaram obstáculos dessa natureza. O movimento insiste que a 20ª edição oficial da Parada será realizada, ainda que em nova data, e negocia com a Defensoria Pública para assegurar sua realização.
O imbróglio não é novo. Desde fevereiro, um projeto de lei de autoria do vereador Milton Alencar buscava transferir para o Executivo a organização da Parada, o que foi rechaçado pela Câmara. Apesar da vitória da sociedade civil, a atual situação mostra que, na prática, a Prefeitura tenta centralizar o protagonismo, colocando sob seu controle a visibilidade e o discurso de um evento historicamente construído por militância e voluntariado.
Do ponto de vista institucional, o episódio levanta questionamentos graves. O primeiro é jurídico, a negativa de autorização pode configurar restrição indevida à liberdade de reunião pacífica e o segundo é político. Por que um evento promovido pela Prefeitura, com artista de renome, tem toda a estrutura garantida, enquanto o ato histórico do movimento social é barrado? O terceiro é democrático. Será que ao criar sua “própria Parada”, o poder público não estaria deslegitimando a voz coletiva que há duas décadas constrói o espaço de visibilidade da comunidade LGBTI+ em Cabo Frio?
Na prática, a cidade terá duas manifestações distintas. De um lado, a oficial, patrocinada e divulgada pelo governo. De outro, a resistência de um grupo que reivindica não apenas um palco, mas o respeito à sua trajetória e autonomia. O resultado é um cenário de fragmentação, onde a busca por direitos e reconhecimento se mistura a disputas de poder e interesses políticos.
A Prefeitura pode argumentar que apoia a diversidade, mas o recado enviado é contraditório. Se de fato o compromisso fosse com a cidadania, não haveria veto a quem há 20 anos ergueu a bandeira do orgulho em Cabo Frio. A tentativa de transformar a Parada em vitrine institucional enfraquece o movimento, divide forças e acende um alerta: a luta por igualdade não pode ser apropriada pelo poder político. Ela pertence às pessoas, às vozes que resistem e que não aceitam ser silenciadas.








Comentários