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Do tiro de canhão ao disparo de festim

  • Foto do escritor: Bernardo Ariston
    Bernardo Ariston
  • 19 de set.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 21 de set.


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Por Bernardo Ariston


Quando Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros o som

ecoou como um tiro de canhão. O gesto parecia mais do que um ato econômico, era uma

declaração de poder, um recado ao Brasil e, por consequência, ao mundo, contudo, em

questão de horas após a divulgação do decreto, a imagem do impacto devastador começou

a se desfazer. A exclusão de quase 700 produtos estratégicos da lista tarifária, entre eles

aeronaves, fertilizantes, celulose, suco de laranja e metais, revelou que a suposta sanção

total tinha limites claros e que o que parecia um canhonaço real era, na verdade, um

disparo de festim.


Por trás da retórica agressiva estava uma verdade incômoda, os Estados Unidos não

podiam arriscar desabastecer cadeias produtivas vitais nem provocar represálias brasileiras

em setores críticos. O decreto nasceu para parecer um ataque devastador, mas foi

calibrado para não ferir onde realmente doeria. O “tarifaço” de Trump se tornou símbolo de

uma disputa maior que vai muito além do Brasil passando a ser o reflexo de um mundo em

que o multilateralismo comercial ameaça a hegemonia americana e o reflexo de um

presidente disposto a usar a força como teatro para manter seu país no centro do tabuleiro.


Nunca havíamos vivido um cenário como este. A ascensão de blocos como BRICS, a

expansão das rotas comerciais entre Ásia, África e América Latina e a integração

econômica entre países emergentes criaram uma teia que desafia décadas de domínio

americano. Trump percebe isso e reage, o decreto contra o Brasil não foi só um ato

econômico, é parte de uma escalada, uma tentativa de reafirmar a centralidade dos EUA

diante de um mundo que já não aceita mais ordens unilaterais. O risco é claro, pois, ao usar

o comércio como arma política, essa disputa pode abalar o equilíbrio global e até corroer

pilares da própria democracia, transformando acordos em trincheiras e alianças em

campos de batalha econômica.


O Brasil, peça-chave desse jogo, respondeu com firmeza inédita. Lula classificou a medida

como “chantagem inaceitável”, acionou a OMC, aprovou a Lei de Reciprocidade Comercial

e deixou claro que o Judiciário brasileiro não seria alvo de pressões externas. A resposta

não apenas defendeu a economia, mas também reafirmou algo maior: a soberania política

e institucional de um país que entende seu papel no novo tabuleiro mundial. O gesto

brasileiro foi observado com atenção em Pequim, Bruxelas e até em Washington, não era

apenas um contra-ataque, era um recado de que o Brasil não se curvaria diante de

pressões travestidas de política comercial.


Dentro dos Estados Unidos, a reação expôs ainda mais a natureza do decreto. O lobby

agrícola e industrial comemorou as exclusões da lista tarifária, reforçando que Trump não

podia sacrificar setores vitais apenas para sustentar um gesto político. Diplomatas

classificaram a medida como “meio recuo embutido no próprio ataque”, e analistas

passaram a ver o tarifaço não como política econômica coerente, mas como um

movimento tático com objetivos internos e externos, ligado tanto à base bolsonarista

quanto à necessidade de projetar força contra Lula.


O episódio ficará marcado não pela tarifa de 50%, mas pelo que ela revelou. O “tiro de

canhão” virou eco oco de festim e expôs um momento histórico em que os EUA enfrentam,

talvez pela primeira vez, um mundo que desafia abertamente sua hegemonia econômica.

Trump reage com estrondo, mas o próprio gesto denuncia o medo de perder o centro. O

Brasil resistiu, sustentou sua posição e lembrou ao mundo que soberania não se mede pelo

volume do grito, mas pela firmeza com que um país defende seu lugar à mesa global.


E se há uma lição nesse episódio, ela é simples: o equilíbrio e o diálogo são mais

poderosos do que qualquer tarifa. O comércio mundial não pode virar arma de guerra

política sem que todos, inclusive as democracias, saiam feridos. O Brasil mostrou isso e ao

mostrar, fez mais do que se defender, ajudou a colocar limites num jogo perigoso que, se

não for contido, pode redesenhar a geopolítica e corroer a democracia que conhecemos.

Viva o Brasil.


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