Brasil e EUA na ONU, química ou confronto?
- Bernardo Ariston

- 23 de set.
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por Bernardo Ariston
Na abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, dois discursos marcaram o contraste entre a visão do Brasil e dos Estados Unidos sobre a ordem internacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou um diagnóstico contundente sobre a crise do multilateralismo, defendendo a soberania nacional, reafirmando o compromisso com a democracia e propondo uma agenda global de combate à fome, regulação digital e proteção do clima. Donald Trump, por sua vez, manteve o tom combativo de sua plataforma “America First”, justificou tarifas e sanções impostas ao Brasil e, ao mesmo tempo, fez questão de registrar uma “excelente química” com Lula, prometendo um encontro bilateral.
No discurso de Lula, o ponto de partida foi o alerta de que “os ideais fundadores da ONU estão ameaçados” e que “a autoridade desta Organização está em xeque”. A fala se estruturou na defesa da soberania e do Estado de Direito, com recado direto às “sanções arbitrárias” e ingerências externas, num momento em que Washington elevou tarifas sobre produtos brasileiros. Sem citar nomes, Lula recordou que “não há pacificação com impunidade” ao mencionar a condenação inédita de um ex-presidente por atentar contra o Estado Democrático de Direito, reforçando a narrativa de que as instituições brasileiras funcionam. A agenda social ocupou espaço central, com destaque para o combate à fome, o alívio da dívida externa dos países pobres e a tributação mínima global para super-ricos. No campo digital, defendeu uma regulação internacional para impedir que a internet continue sendo “terra sem lei”, responsabilizando plataformas por crimes, fraudes e ataques à democracia. No clima, convocou a atenção do mundo para a COP 30, em Belém, e posicionou o Brasil como ponte entre países desenvolvidos e emergentes.
Trump, em seu retorno à tribuna da ONU, reafirmou seu estilo característico ao defender tarifas e sanções ao Brasil como “instrumentos legítimos de defesa dos interesses americanos” e criticar implicitamente a condução de processos judiciais no país. Ao mesmo tempo, buscou suavizar o tom, dizendo que teve uma “boa conversa” com Lula nos bastidores, “39 segundos” que lhe deram “excelente química” com o presidente brasileiro, e anunciou um encontro bilateral. Ele interrompeu a leitura do texto preparado e improvisou ao falar do Brasil, num gesto que surpreendeu até seu próprio governo. Para muitos observadores, o episódio mostra um líder desinformado sobre a realidade brasileira, mas consciente de que precisa sentar com o Brasil e não pode tratar o país como tem feito, invadindo a soberania nacional com tarifas e sanções.
Essa mistura de crítica e afago faz parte da estratégia trumpista: exercer pressão econômica para sinalizar força a seu eleitorado doméstico, mas manter um canal diplomático aberto para negociar concessões. Apesar das sanções e ataques a Alexandre de Moraes, Trump não atacou Lula e pode estar ensaiando um recuo para restabelecer laços comerciais com o Brasil. Sua fala sobre “química” sugere um possível rompimento com a bolha de assessores bolsonaristas que vinham transmitindo informações distorcidas ao governo americano. Uma aproximação olho no olho com Lula poderia mudar o cenário e fragilizar a extrema direita brasileira, que tem em Trump sua “tábua de esperança”.
O contraste dos discursos evidencia uma disputa de narrativas, onde Lula posiciona o Brasil como defensor do multilateralismo, dos direitos humanos e da reforma da governança global, alinhando-se ao Sul Global e a blocos como BRICS e G20 e Trump, fiel ao “America First”, usa a ONU como palco para reafirmar interesses nacionais e condicionar suas relações bilaterais a vantagens concretas para os EUA. Ambos, no entanto, procuram mostrar pragmatismo, Lula acenando à construção de uma ordem multipolar e Trump, deixando aberta a possibilidade de diálogo. Enquanto Lula fez um discurso de democrata multilateralista, Trump proferiu um pronunciamento considerado por analistas “sem pé nem cabeça para o tamanho dos Estados Unidos”, sinal de improviso e de um viés autoritário que, combinado ao pragmatismo comercial, pode reconfigurar a relação bilateral. Se essa mudança se confirmar, o bolsonarismo perde seu principal apoio externo.
Para o Brasil, a fala de Lula reforça a legitimidade institucional e projeta liderança internacional num momento em que o país tenta diversificar parcerias e reduzir a dependência de um único polo de poder. Para os EUA, o discurso de Trump serve para mobilizar sua base interna e testar os limites do relacionamento com países emergentes. O encontro anunciado entre os dois líderes será um termômetro para saber se prevalecerá a “química” ou as tarifas.








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